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Moon da Takamura Ha Shindo Yoshin Ryu
Kanji Takamura Ha Shindo Yoshin Ryu

Por Yukiyoshi Takamura

Tradução para português de Artur Pinto

O que é Reigi?

Reigi é mais facilmente traduzido como “etiqueta” ou “protocolo”. Para o observador menos esclarecido, o reigi parece ser uma serie de acções rituais muitas vezes incluindo vocalizações que podem ter pouca relação óbvia com a tarefa primaria que se persegue. Os elementos físicos observáveis e mais simples do reigi são a versão omote ou manifestação superficial. Contudo, reigi correcto tem apenas uma ligação parcial com a versão omote. Em vez disso o reigi correcto é um entrelaçado entre a versão omote e ura, ou o que jaz para alem do que é visível ao olhar. Reigi não é tanto praticado como é vivenciado. Na sua forma mais elevada representa a fusão da mente, corpo e espírito. A sua essência existe naquele pequeno intervalo da nossa alma que muitas vezes ilude a descrição temporal.

Reigi no budo (artes marciais) pode aos olhos de um ocidental parecer um fenómeno curioso à primeira vista, mas uma inspecção mais profunda é necessária para apreender a sua significância. Algumas pessoas perguntam “O que tem todo este ritual a ver com aprender a lutar?” A minha resposta é, tudo. O primeiro proposito do reigi no Budo é colocar a mente num estado mais propicio de forma a que possa ser ensinada a aprender de forma mais eficiente. Mas lembrem-se isto é apenas o inicio. Colocado num conceito occidental familiar, reigi é o Alfa e o Omega da aprendizagem. Artes Marciais Japonesas verdadeiras não se podem divorciar do reigi e permanecem fieis às suas raizes Japonesas. Budo deve começar e terminar sempre com reigi, pois sem reigi, Budo nunca poderá ser verdadeiro Budo.

O propósito do Reigi

Durante o treino de um aluno, reigi desempenha propósitos importantes e progressivamente mais profundos. É uma parte inseparável do Shugyo ou treino mental austero. É usado para testar a vontade e capacidade do aluno de entregar o seu ego à destruição. Desta forma, torna-se a fundação sobre a qual se forja a alma de um guerreiro. Mas claro que na verdade não destruímos o ego de um aluno. Em vez disso almejamos polir e moldar o ego do estudante através da adversidade, desfio e reflexão. O aluno após um tempo indeterminado de avaliação pode tornar-se um aluno formal “deshi” ou discípulo demonstrando a sua vontade em aceitar este desafio com um coração puro. Na Takamura Ha Shindo Yoshin Ryu ele afirma esta decisão através do reigi de fazer formalmente keppan-sho ou “Compromisso de sangue”.

Aceitação ou rejeição do reigi correcto pode ser usada para expor a dedicação ou deficiências para com um Sensei. O aluno que questiona constantemente ou recusa abraçar o reigi não é adequado para o treino continuado porque em ultima analise ele vê a sua própria opinião e desejos como superiores aos objectivos do ryu. Cego pela sua própria auto absorção, um aluno que desrespeita o reigi é incapaz de aceitar o facto de que a sua responsabilidade como aluno formal (deshi) é antes de mais para com o ryu e com o beneficio de outros antes de si próprio.

Para o deshi formal, reigi é algo livre para o impregnar com as suas lições mais importantes. As experiencias ganhas através do reigi do Budo e a execução Tecnica do ryu fundem-se numa expressão singular. Esta combinação de experiencias transformam a alma. A sensibilidade aumentada que resulta da continuada prática de shugyo permite ao deshi entrar no seu próprio coração de uma forma nunca antes experimentada. É uma espécie de epifania para muitos. Responsabilidade para com o ryu, para com os seus seniores, e para com a humanidade de uma forma mais geral tornam-se uma prioridades face aos seus desejos egoístas. Desta forma um espírito benevolente é formado e a sabedoria está livre para florir. Conceitos abstractos de Vida e Morte colocam a existência do Deshi no seu contexto natural próprio. A transcendência do mundo do espírito apresenta-se pela primeira vez. Ao longo dos muitos anos de forja o deshi torna-se uno com este mundo e com o outro mundo onde os espíritos dos antepassados residem. Sem esta sensibilidade e aumento de percepção do seu lugar no mundo, um artista marcial pode perder o seu rumo e desenvolver um código moral distorcido, um código que justifique a violência racionalizada e auto indulgencia conduzida pelo ego. A sabedoria ganha pelo correcto reigi é protecção dos Kami ou “divindades” contra o mal com o qual a humanidade se tem debatido durante gerações. Esse mal é violência malévola, um caminho que tem sido uma praga da nossa existência humana.  

 

O que é falso Reigi?

Algumas pessoas colocaram-me a seguinte questão “O reigi alguma vez muda?” A resposta é que, é claro que muda mas de formas muito subtis e deliberadas. Uma verdade universal é a que todas as coisas tem de se adaptar para permanecerem relevantes. Reigi não existe de si nem para si. É uma manifestação do propósito para que foi criado. Se o reigi não evolui ou se deixa de ter uma ligação com o propósito para o qual foi criado vai ficar obsoleto e inútil. Mudar apenas por mudar contudo está pejado de risco. Reigi deve permanecer fiel ao seu propósito de ser uma manifestação de oferta divina para beneficio da humanidade.

Vou apresentar um exemplo de uma mudança do nosso reigi que considero que foi apropriada. Esta mudança foi instituída nas nossas organizações ocidentais como resposta a um conflito de língua e uso. No Japão, um sensei é sempre referido como “sensei”. No tapete ou fora do tapete, um sensei é “sensei”. Mas, no ocidente referir-se constantemente ao professor em publico como “sensei” pareceria para muitos uma paranóia e daria a impressão incorrecta aqueles não familiarizados com a forma Japonesa de utilização do termo. Exacerbar este problema é a tendência de muitos ocidentais no sentido de sobre-enfatizarem o omote do reigi. Referirmo-nos constantemente a alguém em publico como sensei apenas iria encorajar esta sobre-enfatização conduzindo a mais interpretações incorrectas do seu uso correcto. Muitas vezes em resposta a estes mal entendidos, aparece o falso ou impróprio reigi. Para combater a propagação deste fenómeno eu requeri que os alunos apenas utilizassem formalidades Japonesas no Dojo ou em conversas privadas. Em publico prefiro que me tratem apenas por “Sr.”. Isto é um reigi muito mais apropriado no ocidente pois é muito mais facilmente entendido e apreciado pelo público em geral. Portanto, isto é uma alteração ao estrito reigi que é praticado na maioria do Budo no Japão, mas esta mudança não é perniciosa. Existe uma razão importante e valiosa a conduzir esta alteração

Como outro exemplo de falso ou impróprio reigi, considerem a palavra Shihan (Instrutor Chefe). Nalguns círculos de Budo ocidentais Shihan estão a multiplicar-se como coelhos. O significado do termo está agora completamente vulgarizado e mal interpretado. Os chamados “mestres” do Budo estão a brotar das pedras em todo o lado! Até já vi um indivíduo promover-se como um “dai-shihan”. Que fartote de riso tive com essa absurdidade! Acho que na sua ignorância ele pensa que Dai-Shihan significa “grande mestre”, o que quer que isso seja suposto ser. Estou á espera de ver a seguir “grandes-grandes-mestres”, ou “Dai Dai Shihan”.   

 

No seu pior, o falso reigui não é apenas uma incompreensão mas é manifestamente fraudulento. Falso reigi como este é normalmente inventado por um instrutor inferior para promover uma imagem de legitimidade ou excelência que na verdade não existe. Para aqueles iniciados em Budo correcto este tipo de auto-engrandecimento bizarro é todo facilmente óbvio. Mas para a pessoa comum que não está familiarizada com o reigi correcto em budo este tipo de etiqueta fajuda pode danificar a imagem que a maioria das pessoas tem de todo o Budo Genuíno.  

Termos específicos de Budo como Shihan simplesmente não são apropriados para utilização comum no ocidente porque todas as traduções estarão, ao fim e ao cabo, imprecisas. No caso do uso do termo “Shihan”, a versão omote foi basicamente traduzida sem a sua versão ura. No uso comum ocidental não existe nenhum conceito similar ao ura que vem agregado à palavra “mestre”. O ura fica perdido na tradução e sem o ura, falso ou improprio reigi inevitavelmente preenchem o vazio.

O Ênfase impróprio do Reigi

Outra armadilha comummente associada com reigi demonstra a importância de o manter na perspectiva correcta. Foi uma vez afirmado por um budoka Americano de reputação algo infame por se armar em “muito Japonês” que o meu reigi era demasiado informal e descontraído para ser correcto. Isto tem sido fonte de diversão sem fim para mim e alguns dos meus amigos. Lembro constantemente aqueles que ensino que o reigi apesar de ter uma manifestação física, ou kata importante, é predominantemente um exercício interno. Reigi executado correctamente deve parecer tão descontraído tal como seja uma expressão de segunda natureza. Reigi correcto deve ser sempre uma meditação em movimento. No dojo do instrutor mencionado acima observei reigi que se tinha tornado tão estático e demasiado “omote” que simplesmente não existia “ura”. Onde não existe ura, não existe Budo verdadeiro. Este instrutor sobre-enfatizou o Reigi até ao ponto onde o seu dojo é um dojo de “reigi omote” em vez de Budo. Também verifiquei isto recentemente no Japão. Parece que este fenómeno não está limitado a países estrangeiros da minha terra natal.   

O Oposto também pode ser visto, mas usualmente apenas no Japão. O reigi lá pode tornar-se algo que se faz “de cor”. Totalmente desviado da sua dimensão espiritual ou propósito. Nesta manifestação tornou-se uma espécie de reigi despreocupado sem qualquer omote ou ura correcto. Essencialmente tornou-se nada, nem sequer a casca do reigi.   

Apesar de toda a importância dada ao reigi tem de ser sublinhado que o reigi não é um fim em si mesmo. Tem um papel concreto e importante e essa função no dojo é a de ajudar no treino do corpo e da alma na busca do Budo. Reigi lembra-nos das nossas origens divinas e da nossa responsabilidade para com aqueles que nos transmitiram o Budo. Mas o reigi não é Kami ele mesmo. Sobre ou Sub enfatizar o reigi estropia a alma de um dojo e consequentemente, os seus alunos (deshi). Uma verdade universal é de que equilíbrio adequado é necessário em todas as coisas. O equilíbrio entre corpo e mente. O equilíbrio entre movimento e imobilidade. O equilíbrio entre o físico e o mental.  

Equilíbrio é a grande verdade que todos os budokas verdadeiros ambicionam alcançar diariamente. Reigi pode funcionar como uma ferramenta preciosa para o ensino do equilíbrio e harmonia espiritual mas o reigi no budo também pode ser negligenciado ou usado de forma errada. Sem a influência de reigi correcto, o budo é como um barco desgovernado à deriva numa tempestade, o seu destino é incerto

Yukio Takamura, 1982

 

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