Ensino e Shu-Ha-Ri
O método tradicional Japonês de transmissão de conhecimento.
Por
Yukiyoshi Takamura, editado por Nanette Okura
Tradução para Português feita por Artur
Alexandre Pinto de artigo publicado no Aikido Journal.
[Nota: Takamura Sensei escreveu este ensaio para inclusão no manual de instrutores
da Shindo Yoshin Kai. Apesar de escrito especificamente para membros com nível de
instrutor, encontro tanto valor neste ensaio que decidi torna-lo acessível a todos
os membros. Irei inclui-lo na próxima edição do livro para alunos da escola. - Toby
Threadgill.]
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Yukiyoshi Takamura (1928-2000)
"Shu-ha-ri" significa literalmente abraçar o kata (forma Técnica predefinida), divergir
do kata e descartar o kata. A persecução de treino numa procura Japonesa clássica
quase sempre sege este padrão educacional. Esta abordagem única do ensino tem existido
no Japão há séculos e tem sido instrumental na sobrevivência de muitas antigas tradições
Japonesas de conhecimento. Tal inclui persecuções tão diversas como as artes marciais,
arranjos florais, olaria, teatro, poesia, pintura, escultura e tecelagem. Por bem
sucedido que o Shu-ha-ri tenha sido até à era moderna, novas abordagens ao ensino
e aprendizagem estão a alterar este método japonês tradicional de transmissão de
conhecimento. Se as artes e persecuções tradicionais japonesas são passadas com sucesso
para a próxima geração de praticantes depende do Sensei (professor) de hoje e da
sua sabedoria ao confrontar as forças e abismos inerentes ao Shu-ha-ri. Neste ensaio
irei focar-me no Su-ha-ri e na sua aplicação unicamente na honrada disciplina marcial
da Takamura-Ha Shindo Yoshin-ryu jujutsu.
Shoden: O nível inicial de treino.
Shu (abraçar o kata)
O kata ou forma é o núcleo educacional de todas as escolas de conhecimento tradicionais
japonesas. É a forma mais visível de representação do conhecimento existente em uma
escola embalada num aparentemente simples conjunto de movimentos ou conceitos. Porque
o kata é tão acessível é muitas vezes mal-entendido como o aspecto mais importante
para determinar a habilidade de um aluno ou o seu progresso. De facto, ensinado correctamente,
o kata na verdade contem dentro de si o ura ou nível escondido de informação, mas
esta informação esconde-se debaixo da superfície ou omote da simples observação.
Sem primeiramente nos devotarmos inteiramente à mestria do omote do kata, o aluno
está destinado a permanecer para sempre um iniciado, sem nunca ser capaz de progredir
em direcção à real profundidade de conhecimento que descansa escondida no ura diante
dele. Para viver o shu e abraçar o kata, o aluno deve primeiro resignar-se e ao seu
ego a uma serie de exercícios repetitivos aparentemente ao acaso. Muitas vezes este
inicio ou nível Shoden do kata são intencionalmente desenhados para desafiar os níveis
de concentração dos alunos e devoção à aprendizagem. Em algumas tradições mais rigorosas,
o kata é intencionalmente criado para criar desconforto físico adicionalmente a este
exercício. Ultrapassar o desconforto físico neste tipo de kata é apenas o primeiro
nível no treino do aluno para o foco mental exclusivo na execução de uma tarefa.
A medida que o aluno progride através de vários katas, diferentes aspectos de stress
e distracção são encontrados. A medida que estes desafios crescem em intensidade
a mente do aluno aprende a processar informação e stress de uma maneira muito mais
eficiente. Com o tempo diferentes processos neuro-musculares ficam gravados intuitivamente
de tal forma que deixam de ser conscientemente percebidos pelo aluno. Uma vez absorvido
e executado satisfatoriamente este nível do kata, o aluno o primeiro nível do seu
treino. Outros katas mais avançados serão apresentados através do treino que apresentam
maiores e mais diversos desafios, mas a metodologia mental para aprender está neste
momento no lugar. A razão mais básica para o treino do kata foi atingida.
Os abismos de ensinar no nivel Shoden
A este nível é possível o kata ensinar tudo por si próprio. São afinal repetições
físicas que desafiam e instruem uma experiencia quase totalmente privada. Apesar
disto parecer um exagero, qualquer um que saiba os movimentos básicos do kata pode
levar um aluno a este primeiro nível de treino. É até mesmo possível para alguns
alunos atingirem este nível de treino apenas aprendendo através de um instrumento
auxiliar de estudo como um livro. Contudo, esta abordagem separada da aprendizagem
com um Sensei coloca o aluno numa situação perigosa, especialmente no ensino de katas
a pares. A queda mais comum aqui é falta de atenção diligente do Sensei a forma física
e timing correcto. De forma simples, as capacidades de ensino de muitos instrutores
de baixo nível sofrem devido à sua própria instrução medíocre. Devido a isto incitam
agora maus hábitos nos seus estudantes que tem de ser desaprendidos mais tarde. Isto
é não apenas perigoso, mas pode ser bastante frustrante para o aluno. Esta falha
de ensino resultou em muitos alunos extremamente promissores a desligarem-se da sua
experiencia de treino e abandonarem a sua busca. Instrução diligente mesmo nos níveis
mais básicos do treino do kata é absolutamente obrigatória. Os básicos são o núcleo
da perseguição de execução correcta e não devem se subestimados.
Chuden: O nível intermédio de treino
"Shu" ao nível chuden
Ao nível Chuden o estudo do kata inclui um novo elemento. Este elemento é a aplicação
ou bunkai. A razão profunda para o kata e a sua construção é agora apresentada ao
aluno. O cenário em que o kata existe é também estudado e avaliado. Este estudo e
avaliação está contudo estritamente restrito à execução pura do kata sem qualquer
variação. Apenas através deste estudo estrito pode o kata mostrar com precisão a
sua relevância para o estudante a um nível que ele pode compreender. Durante este
processo o Sensei ajuda o aluno a começar a agarrar a existência do ura, estes aspectos
que se escondem por baixo da superfície da forma física. Para alguns alunos esta
percepção é uma revelação enquanto para outros já era óbvio há algum tempo. De qualquer
das formas, o Sensei tem agora apresentar com precisão os conceitos básicos e um
nível mais abstracto que antes. Isto prepara o caminho para o segundo aspecto do
shu-ha-ri.
Ha (divergir do kata)
No conceito tradicional de su-ha-ri, ha é a primeira pitada permitida ao aluno para
expressão criativa. É quando a henka waza ou variações é pela primeira vez experimentada.
Tem sido chamada de “ divergir do existente dentro da forma” ou como “ variações
ortodoxas que co-existem dentro dos limites restritos definidos pelo kata maior”.
Isto é quando o aluno é encorajado a considerar qualquer resposta a uma falha dentro
do kata puro. Instrução extremamente atenta é requerida ao Sensei nesta encruzilhada
pois muito desvio irá conduzir a desmazelo ou bastardização da técnica, ao passo
que muita restrição pode entrevar um possível talento intuitivo subjacente. Encorajar
talento criativo intuitivo é o propósito aqui mas esta experiencia criativa mas esta
experiencia criativa tem de ser diligentemente temperada pelos limites do kata maior.
O kata tem de permanecer reconhecível como o kata. Se o kata diverge em demasia da
norma, já não está relacionada com o kata original e torna-se uma expressão da técnica
totalmente diferente. É imperativo que tais desvios sejam evitados neste nível de
aprendizagem.
Ha, ao nivel chuden
Uma vez descoberto pelo aluno as fronteiras do seu treino dentro do kata maior ele
irá descobrir que as possibilidades de aprendizagem são praticamente infinitas. O
progresso vem agora em saltos de habilidade não experimentados no passado. A maioria
dos alunos excelentes demonstra pela primeira vez o seu verdadeiro potencial durante
esta fase do seu estudo. Os conceitos e formas do ryu integram-se de tal forma que
estimulam intelectualmente a mente do aluno. Ele agora aprecia mais completamente
o kata e reconhece a sabedoria técnica que existe dentro dele. Consequentemente,
muitos sênseis acham esta altura a mais recompensadora no progresso de um aluno.
O fruto do trabalho de um Sensei manifesta-se poderosamente durante este período.
Os abismos de ensinar no nível chuden.
Aderência estrita aos conceitos nucleares de uma tradição em particular tem de ser
seguidos nesta altura. Desvios dos conceitos nucleares que definem o ryu permitiram
ao aluno continuar numa direcção que não era a intencionada pelo Ryuso (fundador).
As fronteiras do kata têm de ser respeitadas para que o ryu mantenha a sua identidade
e foco. Passar para além dos limites do kata nesta altura pode ser desastroso e o
potencial máximo do aluno comprometido. Sensei frequentemente caem na armadilha de
serem demasiado desestruturados nos seus ensinamentos ao ensinar neste nível. Eles
interpretam mal o progresso do aluno e levam-no longe demasiado longe do seu nível
de compreensão. A mente do aluno e a sua técnica devem ser permanentemente desafiadas
durante este estádio intermédio de aprendizagem, mas ocasionalmente um aluno demasiado
zeloso irá tentar chegar demasiado longe demasiado depressa. Esta tendência deve
ser evitada ou irá comprometer mais aprendizagem e progresso.
Joden: O nível avançado de treino
Ri (abandonar o kata)
Alguns praticantes de tradições marciais modernas descartam o kata e shu-ha-ri como
sendo muito confinado ou antiquado. Na verdade, esta posição tem falhas porque eles
interpretam mal o propósito do kata. Como tantos especialistas de café, não foram
correctamente instruídos para alem do nível de Shoden nos katas e estão a comentar
sobre um assunto sobre o qual eles simplesmente não estão qualificados e como tal
incapazes de entender. Como a maioria dos observadores que estão fora da experiencia
profunda do estudo, vêem o kata como a arte ela mesmo em vez de uma sofisticada ferramenta
de ensino que é apenas o reflexo superficial dos conceitos nucleares de uma arte.
Os katas, na sua interpretação imperfeita “são” a arte. Isto é como o erro de assumir
que um dicionário é uma completa representação da língua. Infelizmente, numerosas
tradições marciais antigas no Japão involuntariamente reforçam esta má interpretação
ao sobre-enfatizarem o kata. Muitas vezes com estas escolas elementos nucleares significativos
e conhecimento foram perdidos na antiguidade de forma que tudo o que resta é o omote
ou casca exterior do kata. Sem nada mais do que o kata para se agarrarem, estas escolas
muitas vezes reinterpretam o seu mokuroku (programa técnico), fazendo o kata a força
condutora primaria do ryu. Quando isto acontece o ryu inevitavelmente degenera numa
dança simplista onde o ura e aplicações do kata se tornam num foco secundário. Estas
tradições estão efectivamente mortas. São como esqueletos a tentar representar uma
pessoa completa.
"Ri" o que é?
"Ri" é difícil de explicar na medida em que não é tanto algo que é ensinado como
é algo a que se é chegado. É um estado de execução que simplesmente ocorre depois
do shu e do ha terem sido interiorizados. É a absorção do kata a um nível tão avançado
que a casca exterior do kata deixa de existir. Apenas a verdade subjacente ao kata
permanece. É forma inconsciente da forma. É expressão intuitive da Tecnica que é
tão eficiente como a forma pre-arranjada mas visceralmente espontanea. Tecnica desenfreada
da restrição do processo de pensamento consciente que resulta numa aplicação de Waza
que é verdadeiramente meditação em movimento. Para um que tenha atingido ri, observação
torna-se a sua própria expressão da realidade. A mente está agora livre para operar
a um nível distintamente superior do que era anteriormente possível. Para o observador
casual parece que o expoente se tornou quase psíquico, capaz de reconhecer uma ocorrência
ou ameaça antes mesmo dela existir. Na verdade o observador é apenas enganado pela
inércia da sua própria mente. Com ri, o espaço de tempo entre a observação e a resposta
cognitiva é reduzida a níveis quase imperceptíveis. É "ki". É "mushin". É "ju".
É todas estas coisas combinadas. É a manifestação do mais alto nível de habilidade
marcial. É o que nos na Takamura ryu nos referimos como “Wa”.
O nível de execução associado com o ri é realisticamente além da habilidade de muitos
praticantes. A maioria das pessoas são simplesmente incapazes de o atingir, o nível
mais avançado de expressão potencial de um ryu. Contudo frequentemente, praticantes
que nunca atingiram este nível de execução técnica são excelentes Sensei, capazes
de levar um aluno à beira da mestria mesmo que eles próprios sejam incapazes de dar
o salto para a execução intuitiva que é o ri. Alguns observadores tentam menorizar
o reconhecimento desta limitação como sendo elitista. Acho esta forma de pensar estranha.
Gostaria de lembrar estes observadores que nem todos os seres humanos são capazes
de forma inata de adquirir mestria em todos os caminhos. Como indivíduos temos talentos
e deficiências. São estes talentos e deficiências individuais que nos tornam humanos
a espécie única e diversa que somos. Tentar negar esta verdade é negar o que cria
a nossa individualidade. Com isto em mente é imperativo lembrar que o humilde indivíduo
apercebe-se que a mestria numa área não garante nem sequer um talento médio em outra.
Da mesma forma, excelência técnica não garante necessariamente excelência no ensino.
Os abismos de ensinar ao nível e alem do nível Joden
Quando um aluno chega ao nível de entender o ri numa base regular ele atingiu essencialmente
toda a habilidade técnica estrita que um Sensei pode efectivamente ensinar-lhe. O
processo de instrução e ensino deve agora evoluir. Deve ser permitida a relação entre
professor e aluno evoluir também. Neste ponto o aluno é cobrado pelas tradições do
seu ryu e do seu juramento de sangue (Keppan) para manter o seu ego sob controlo
e reconhecer que sem o Sensei e o ryu ele nunca teria conseguido atingir o potencial
máximo como aluno. Tem de reconhecer que deve tudo o que aprendeu à devoção do seu
Sensei pelo ensino e pelo Sensei do seu Sensei. O seu comportamento deve reflectir
a sua eterna divida para com o ryu e que é compelido a ser humilde na presença do
seu professor. Da mesma forma, o professor deve agora permitir autonomia e liberdade
de expressão ao aluno de uma forma que não tinha permitido anteriormente. Mais um
líder e um guia do caminho, o professor deve orgulhosamente ficar ao lado do seu
aluno com um coração satisfeito. Ele está de igual forma humildemente compelido e
chamado pela sua responsabilidade para com o ryu a continuar viver à altura dos seus
princípios e standards que gravou no seu aluno. A sua tarefa de ensinar está concluida.
Ele é agora um avô em vez de um Pai.
Infelizmente, é nesta altura, a altura do mais alto chamamento de um Sensei para
o ryu, que muitos falham. Em vez de demonstrarem confiança em si próprios e orgulho
nas realizações dos seus alunos caem presas da vaidade e da insegurança de espírito.
O falhanço de um Sensei agora está normalmente associado com o antecipado fim do
respeito do aluno, e o final do respeito na verdade não existe. Com frequência este
problema manifesta-se quando o Sensei tentar voltar a introduzir uma relação aluno-professor
estrita que impede o aluno de atingir a sua madura posição de autoridade dentro do
ryu. Nesta altura alguns Sensei entendem o desvio do seu próprio caminho como uma
rejeição do aluno dos seus ensinamentos. Na verdade, alguns dos ensinamentos do Sensei
tem de ser negados para um aluno atingir os mais altos níveis de expressão própria
dentro do ryu. Alguns Sensei também não querem reconhecer que um desvio do seu próprio
ensino a este nível é na verdade uma manifestação da individualidade do aluno e da
maturação da sua confiança. Esta confiança, deve ser lembrado, foi incorporada pelos
próprios ensinamentos do Sensei como parte do pacto entre aluno e professor. O Sensei
tem de lembrar-se dos seus deveres e obrigações como simplesmente um membro dentro
do ryu. Tem de tornar o seu coração humilde e reencontrar-se com o seu próprio passado
como aluno. Isto ele tem de fazer para permanecer um efectivo líder “da via”.
Conclusão: Branco torna-se preto, torna-se branco novamente.
É o chamamento de qualquer membro da escola de assumir as suas responsabilidades
e regularmente olhar para o espelho do kamidana (altar do Dojo), o espelho reflecte
a verdade indistorcida. E de humildemente pedir aos Kami para o ajudarem a ver o
seu próprio coração e motivações com um olhar crítico, a escrutinar aquela pequena
voz que é o abrigo da vaidade e racionalização. Apenas através da expressão da verdade
pode o processo de shu-ha-ri unir com sucesso aluno e professor no dever de passagem
do conhecimento e sabedoria dos antepassados da nossa escola em diante de forma responsável.
Yukiyoshi Takamura, 1986