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Entrevista a Artur Pinto pelo Jornal da Região da Amadora (Integral)

 

- Bom dia, Artur.

Obrigado, pela disponibilidade em colaborar connosco.Artur Pinto em templo shinto em Fushi Inari Poderia fazer uma pequena nota biográfica sobre si?

Nota Biográfica:

O seu nome é Artur Alexandre Dinis Pinto e tem 35 anos de idade.

Inicia a prática de Artes Marciais, Karate Wado-Ryu, aos 15 anos de idade. Graças às suas naturais capacidades de liderança e combatividade é designado Instrutor assistente aos 17anos e começa a dirigir o seu primeiro Dojo. Um dos mais bem sucedidos competidores de Karate Wado-Ryu, com presença no pódio da maioria das competições em que participou a nível nacional e internacional, tendo sido durante anos o capitão de equipe.

Hoje em dia é 4ºDan Shido in e um dos instrutores Seniores da Wado Bushikai, dirigindo centros na Amadora (A.A.A.) e em Queijas.

Com larga experiencia em Artes Marciais e mais de 20 anos de treino contínuo, é também instrutor de Iaido e Shindo Yoshin Ryu Jujutsu.

É  reconhecido internacionalmente como um sério praticante de Artes Marciais Japonesas ( Nihon Bujutsu).

Um apaixonado pela cultura Japonesa e pelas suas tradições que viaja com regularidade pelo mundo participando em seminários técnicos para aprofundamento dos seus conhecimentos e desenvolvimento das suas capacidades.

- Capitaneou a selecção portuguesa que, no passado mês de Agosto, competindo no Campeonato do Mundo, em Nagoya. fale-nos um pouco dessa participação lusa.

Estes campeonatos só se realizam a cada 5 anos e sempre no Japão. Como tal é um evento importante e de relevo. No entanto a equipe Portuguesa debateu-se com várias dificuldades. A falta de apoios financeiros e também alguma lesões durante a preparação e treino para os Campeonatos. Eu próprio contraí uma lesão que ainda persiste e que apenas graças à excelente equipa médica e de Fisioterapia da A.A.A. consegui recuperar o suficiente para não se tornar inviável a minha participação.

Apesar disso conseguimos apresentar uma equipe nos campeonatos e a comitiva Nacional foi constituída por 7 elementos. A nível individual, nos juniores conseguimos obter duas passagens de eliminatórias e nos seniores conseguimos colocar 3 atletas nos oitavos e quartos de Final nas categorias de Kumite (combate). O que dadas as circunstâncias foi bom mas poderia ter sido melhor. Ao nível do combate por equipe calhou-nos em sorte, logo nas eliminatórias a equipe da Casa. O Japão. Campeões do mundo há cinco anos. Alem disso a equipe estava reduzida, com 2 elementos em falta, o que tornava a nossa passagem à fase seguinte quase impossível pois significava que o Japão logo à partida obtinha duas vitórias das 3 necessárias para ganhar. Um dos Juniores, com apenas 17 anos, com grande coragem, voluntariou-se para entrar na equipe Sénior e permitir que pelo menos tivéssemos a possibilidade de dar mais luta aos Nipónicos. Foi o que fizemos! Demos luta e vendemos cara a nossa derrota. Várias vezes Os Japoneses claudicaram perante a ferocidade e espírito de combate Luso. Lamentavelmente não foi o suficiente e, embora com honra e elogios de vários Mestres Japoneses presentes na tribuna de honra ao espírito de combate Lusitano, o Japão seguiu em frente para mais uma vez revalidar o titulo de campeão mundial. Temos de aceitar as vitórias com humildade e as derrotas com dignidade, e penso que o fizemos de forma exemplar.

Preciso dizer que é sempre uma enorme honra representar Portugal em qualquer evento e tenho um grande orgulho de ter feito parte desta equipe. Foi também com alguma nostalgia que o fiz pois, possivelmente, foi a minha última competição... É necessário dar lugar aos mais novos para que possam crescer. Estarei sempre disponível se precisarem de mim, mas entendo que agora preciso de dar espaço e apoiar a nova geração para que um dia possam ser melhores do que eu fui.

- Aquando da sua presença no Oriente, passou o exame que o elevou a 4.º Dan. Para quando perspectiva uma nova possibilidade de promoção?

Esse era um objectivo pessoal que levava comigo. Não é comum em Portugal fazer exame no Japão e menos ainda ser aprovado. Não conheço ninguém que o tenha feito, e embora pense que não tenha sido o primeiro a faze-lo, foram com toda a certeza muito poucos. Conheço pessoas que já tinham tentado, e falhado, tal como aconteceu à maioria dos que foram examinados comigo, pois a exigência técnica é a mais elevada possível.

A Wado Kai tem várias regras e regulamentos. Os exames a partir de 6ºdan tem de ser feitos obrigatoriamente no Japão perante o conselho técnico mundial. Para 4º e 5ºDan não é obrigatório, mas é difícil reunir condições para tal pois os regulamentos obrigam a reunir um colectivo de examinadores credenciados de pelo menos 5 examinadores do mais alto nível. Isso faz com que seja, não impossível, mas difícil ser examinado para estas graduações fora do Japão.

Optei por me submeter ao julgamento do comité técnico mundial no Head Quarters no Japão. Arriscado, mas não há glória sem risco e a sorte protege os audazes.

Mas existem vários tipos de graduação. O Dan, que reconhece as capacidades técnicas do praticante. O de Instrutor que reconhece não apenas maiores, mais profundas e apuradas competências técnicas mas também a capacidade para ensinar e transmitir, o que tem de ser demonstrado extensivamente, (Este grau apenas está acessível a graduações Superiores a 3ºdan) e Examinador, onde é atribuída autoridade pela sede no Japão para participar e aprovar ou reprovar examinações de Dan. (Para tal tem de ter graduação mínima de 4ºDan e Titulo de instrutor). Para o meu próximo exame, de 5ºDan, espero dentro de 2 a 3 anos estar em condições de me deslocar novamente ao Japão para realizar este exame técnico. Continuo a treinar afincadamente no meu desenvolvimento técnico e a aprofundar os meus conhecimentos sobre a arte e é natural que o faça, mas não tenho pressa. Isso deve vir do nosso crescimento e de nada serve passar de forma atabalhoada ou mal fundamentada. Temos de ser consistentes e isso só se consegue com trabalho e amadurecimento técnico.

No entanto, espero no decorrer do próximo ano que me seja atribuído também a certificação internacional de examinador da Federação Japonesa de Karate Wado-Kai, algo que apenas uma pessoa em Portugal possui. Isso poderá ser um grande salto qualitativo para o desenvolvimento da estrutura existente em Portugal e um grande progresso na afirmação técnica de Portugal a nível internacional.

Estou também muito empenhado em obter uma licença de ensino em Takamura Ha Shindo Yoshin Ryu Jujutsu. Esta arte é uma antiga tradição Samurai, uma arte com antigos rituais e tradições, praticada de forma muito tradicional e que apenas aceita no seu seio membros considerados de valor elevado para a sobrevivência da escola. Nada tem de desportivo, mas encerra muito conhecimento e muita tradição marcial. Existe apenas um professor licenciado na Europa e eu espero ser um dos próximos.

- A A.A.A. tem vindo a apostar nas artes marciais. No seu entender, a que se deve esse facto?

Quando contactei a A.A.A. há cerca de 3 anos com uma proposta para iniciar o Karate no Clube, não tinham qualquer Arte Marcial em funcionamento, nem contavam ter.

Gosto de pensar que fui o precursor dessa aposta e que, de alguma forma tenho conseguido interessar o clube, para o seu desenvolvimento na área das Artes Marciais. Como tudo na vida, isso requer tempo, trabalho, seriedade, perseverança, flexibilidade e por vezes alguma criatividade para encontrar soluções que permitam a todas as modalidades do clube trabalharem nas melhores condições. Tenho colaborado sempre com a Académica e com a sua direcção nesse sentido.

Neste momento a Académica já conta com aulas de Karate, Judo, Iaido e Shindo Yoshin Ryu Jujutsu. Estando desta forma a optimizar e utilizar de forma mais eficientes os seus recursos.

Numa nova época onde cada vez existem mais clubes, ginásios, centros, etc., as actividades tem classes com menos pessoas e os praticantes estão dispersos pela imensa oferta disponível, por isso é necessário adaptar o clube para esta nova realidade com uma maior diversidade de modalidades. Logo é natural que a A.A.A. se desenvolva na área das Artes Marciais pois são actividades que são flexíveis, estruturalmente leves e de enorme abrangência ao nível dos praticantes. Contará com o meu apoio e trabalho para ter sucesso.

Acho também que, a direcção da Académica que se tem debatido com imensas dificuldades, tem apoiado as Artes Marciais porque entende que se enquadra dentro do espírito do clube. Um clube que se preocupa com os seus praticantes e que lhes tenta dar o melhor possível, que quer dar à comunidade actividades de qualidade, participar na educação e desenvolvimento da juventude, melhorar a saúde e qualidade de vida da generalidade das pessoas. Sinto que este Clube é um clã, uma pequena família, que luta contra as adversidade desinteressadamente e de forma abnegada, com alegria, pois acredita que pode contribuir para melhorar e trazer algo de positivo à Amadora. Sinto-me respeitado e acarinhado na Académica e é para mim uma enorme honra ensinar e pertencer a uma instituição com tão grande história, tradição e prestígio. Um privilégio trabalhar com os meus colegas das outras modalidades e ver o seu empenho, profissionalismo e qualidades como professores e técnicos. Um clube com um grande coração. E isto, no fundo, são Artes Marciais!

- Qual é a melhor idade, para se começar a praticar karate?

O Karate pode ser iniciado em qualquer altura. Temos alunos iniciados desde os 4 anos até pessoas que iniciam aos 50anos. Os objectivos, bem como o processo de ensino, são diferenciados e adequados ao nível de cada praticante tendo em conta idade, condição física e capacidade técnica. Mas diria que a idade ideal seria talvez os 10 anos de idade.

- No caso da Académica, o que é necessário, para esse começo?

Para iniciar é necessário ser ou inscrever-se como sócio, pagar um seguro desportivo (necessário para qualquer modalidade) e uma mensalidade. É também necessário um atestado médico. Similar à maioria das modalidades em qualquer clube. E claro que, se puder iniciar com um fato de karate, é óptimo, mas não é obrigatório. A secretaria da A.A.A. pode esclarecer algumas dúvidas e eu próprio estou disponível para qualquer esclarecimento. Também pode ser consultado o site da A.A.A. www.academicadaamadora.pt/karate.

- Aos pais mais receosos, por pensarem que as suas crianças se tornarão mais violentas, por praticarem artes marciais, o que tem a dizer? Esta já sei a resposta. Lol

É uma preocupação legitima! No entanto, desde que o ensino seja feito por um bom professor e dentro do que é o espírito correcto do Budo, penso que não existe esse risco. Antes pelo contrário! As Artes Marciais, baseiam-se no antigo código de honra dos guerreiros Samurai. O Bushido. E as virtudes que os samurai deveriam cultivar eram a coragem, benevolência, justiça, cortesia, verdade, lealdade e honra. Tal como os antigos Cavaleiros no ocidente. Parece-me a mim que são bons valores em qualquer lado e que devem ser o cimento que liga as capacidades de luta desenvolvidas nas Artes Marciais.

Como tal o caminho das artes marciais não é o da luta, mas o da perfeição de carácter. Embora a luta e a capacidade marcial façam parte, não só das artes marciais, mas do próprio ser humano, são um meio e não devem ser um fim em si mesmas. “ Conhecer as artes da guerra e não as da Paz é falta de sabedoria. Conhecer as Artes da Paz e não as da Guerra é falta de Coragem. “ Esta é uma citação antiga que ilustra o objectivo das artes marciais. Desenvolver ao máximo a nossa capacidade de lutar, para termos a sabedoria de não ter de o fazer. Pois só um guerreiro escolhe a Paz, os outros estão condenados a ela.

Assim, um artista marcial não procura uma luta ou um confronto, essa é sempre a ultima opção, mas é uma opção e se for a única irá leva-la até ao fim para se defender ou aos seus. A disciplina, o respeito, o desenvolvimento pessoal, o conhecimento e a sabedoria fazem com que o praticante encare a vitória sobre si mesmo como a maior vitoria possível. E entenda que, embora a violência exista e tenha de estar preparado para ela, não é desejável nem benéfica para ninguém.

- Quantos karatecas possuiu a Académica? De que idades? Todos entram em competição?

Terminamos a Época passada de 2009/2010 com cerca de 20 praticantes regulares. Com idades que vão dos 4 aos 56 anos. Mas a maioria andará pelos 10/11 anos e apenas iniciados. É um Dojo muito recente que ainda está no seu inicio. Apesar disso muitos já entraram em competições, e alguns com bons resultados.

Sou bastante cuidadoso e temos participado apenas em pequenos torneios escolhidos selectivamente de forma a desenvolver sustentadamente as suas capacidades para a competição e reforçar positivamente a sua participação. Os alunos não podem contar com a experiencia e apoio de outros alunos mais velhos e mais experientes pois tudo está a ser construído de raiz. Continuaremos a trabalhar, e acima de tudo, tentando transmitir valores e princípios muitas vezes esquecidos no mundo desportivo. Tal como a Amadora, o Dojo da A.A.A. é muito heterogéneo e multicultural o que torna o ensino complexo mas muito aliciante e um grande desafio.

- Deixe uma mensagem a quem lê esta entrevista.

Vivemos tempos difíceis, incertos e conturbados. Por vezes sentimo-nos perdidos neste mundo moderno que nos aperta e consome. Por isso Lute! Viva!

Se está a pensar em praticar artes marciais, não hesite! Experimente! Pense que toda a viagem começa com um pequeno paço e que talvez esta seja uma forma de se sentir melhor. Mais completo, seguro, animado, confiante, revigorado, estimulado. Oriente-se pelo que quer ser e não pelo que quer ter. É um desafio, sim, mas é um desafio consigo próprio. Não de vencer os outros mas de se vencer a si e ser um pouco melhor. Não tem de ser o melhor, não tem de ganhar nem provar coisa alguma, faça-o de si para si mesmo. Pense o que quer fazer, procure um bom professor, e comece.

Um praticante de artes marciais tem uma visão algo diferente da realidade. Deixo uma citação que gosto especialmente “ As lágrimas não são indignas de um guerreiro. Um guerreiro é um homem de profundas paixões e emoções que a maioria não consegue sequer entender. Dentro dele existem flores e tempestades. Cada uma é parte dele próprio, e cada uma é real e verdadeira. Aceita ambas. Nega nenhuma. Só nós saberemos o que somos por dentro, mas é o que fazemos que nos define.”

- Obrigado pelo seu tempo Artur.

Foi um prazer.